Reflexos das inovações nas atividades notarial e registral
Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza
1) Introdução;
2) O direito real do promitente comprador e a adjudicação compulsória;
3) A instrumentalização da promessa;
4) A aplicação dos arts. 467 a 471 aos compromissos decompra e venda;
5) Conclusões.
1) Introdução
A vigência do novo Código Civil trouxe inovações relativas aos
compromissos de compra e venda, contidas nos arts. 1.225, VII, 1.417, e
1.418, ensejando reflexões no confronto com o art. 108 e com
dispositivos de leis especiais não expressamente revogadas pelo novel
diploma. Exige abordagem, também, a aplicação dos arts. 467 a 471, que
cuidam do contrato com pessoa a declarar, às promessas de compra e
venda.
A promessa de compra e venda é espécie de contrato através qual uma
pessoa, física ou jurídica, denominada promitente ou compromitente
vendedora, se obriga a vender a outra, denominada promissária ou
compromissária (ou promitente) compradora, bem imóvel por preço,
condições e modos pactuados.
A forma do contrato em foco, seus efeitos e sua execução têm sido alvo
de diversas discussões doutrinárias, dando origem a diferentes correntes
jurisprudenciais e merecendo, outrossim, atenção do legislador, com
sucessivas alterações nas normas referentes aos contratos de promessa de
compra e venda, culminando com a introdução, no Código Civil de 2002,
dos arts. 1.417 e 1.418, que tratam do direito do promitente comprador.
As novas regras afetam, de forma induvidosa, algumas posições de
jurisprudência (conduzem à ineficácia, por exemplo, o verbete 239 da
Súmula do STJ., que dispensava o registro imobiliário para exercício do
direito à adjudicação compulsória), e exigem nova análise dos
doutrinadores quanto a lições embasadas na legislação anterior
(relativas, por exemplo, à forma do contrato).
Este estudo preliminar abordará, de forma sucinta, as questões quanto à
forma do contrato de promessa de compra e venda e os efeitos de seu
registro, que atinem às atividades notarial e registral, bem como o
cabimento da cláusula pro amico eligendo (art. 467 do C.C.) nos
contratos em foco.
2) O direito real do promitente comprador e a adjudicação compulsória.
O art. 1.088 do Código Civil de 1916, no dizer de Caio Mário da Silva
Pereira (Instituições de Direito Civil - Forense), é “o ponto de
partida” da série de fases em nosso direito envolvendo a promessa de
compra e venda. Nos termos do artigo citado, podia o promitente, antes
de celebrado o contrato definitivo, arrepender-se.
Maria Helena Diniz, no Curso de Direito Civil Brasileiro – Saraiva,
sintetiza as fases referidas pelo ilustre civilista mineiro,
referindo-se à falta de escrúpulodos promitentes vendedores que
“preferiam, valendo-se do direito de arrependimento, sujeitar-se ao
pagamento das indenizações, que quase sempre consistia na devolução do
preço em dobro, a terem de passar a escritura definitiva, o que seria
desvantajoso, sob o prisma econômico”. A prática foi coibida pelo
Decreto-lei 58/37, que visando a segurança das relações jurídicas e o
bem-estar coletivo, conferiu ao promissário comprador direito real sobre
o lote compromissado. Prossegue a doutrinadora lecionando que o Decreto
3.079/38 estendeu às escrituras de promessa de compra e venda de imóveis
não-loteados os efeitos do Decreto-lei 58/37, sendo efetivamente criado
o direito real de promessa de venda com a alteração do art. 22 do
Decreto-lei 58/37 pela Lei 649/49, que dispôs no art. 1º que “os
contratos, sem cláusula de arrependimento, de compromisso de compra e
venda e cessão de direitos de imóveis não-loteados, cujo preço tenha
sido pago no ato de sua constituição ou deva sê-lo em uma ou mais
prestações, desde que inscritos a qualquer tempo, atribuem aos
compromissários direito real, oponível a terceiros, e lhes confere o
direito de adjudicação compulsória” (com redação da Lei 6.014/73). O
art. 25 da Lei 6.766/79 atribui direito real a compromissos de compra e
venda, cessões e promessas de cessão, estando registrados, atribuindo o
art. 69 daLei 4.380/64 eficácia de direito real ao contrato de promessa
de cessão de compromisso registrado.
Divergem os doutrinadores quanto à classificação do direito real
decorrente do registro da promessa de compra e venda.
Não obstante alguns o entendam como direito real de gozo ou fruição, e
outros como direito real de garantia, antes mesmo da edição do novo
Código Civil, Caio Mário da Silva Pereira invocou Serpa Lopes para
asseverar que a promessa de compra e venda mais se aproximava de “uma
categoria de direito real de aquisição”. Maria Helena Diniz o enquadra
como “direito real sobre coisa alheia de aquisição”. Ocupa, pois, lugar
à parte na classificação dos direitos reais, “formando uma nova
categoria”, segundo Arnoldo Wald (Direito das Coisas - RT).
Decorrência do direito real é o exercício do direito à adjudicação
compulsória, execução coativa do contrato, com registro da carta de
adjudicação transferindo a propriedade do bem imóvel para o promissário
comprador adimplente.
A ausência do direito real de aquisição no rol dos direitos reais do
Código Civil de 1916, sendo previsto apenas em dispositivos esparsos da
legislação extravagante posterior, levou a jurisprudência a vacilar
sobre a necessidade do registro da promessa de compra e venda como
requisito para a adjudicação compulsória.
O verbete mais recente da súmula dos tribunais superiores, anterior à
Lei 10.406/02, é o de nº 239, do Superior Tribunal de Justiça, que
dispõe: “o direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao
registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”.
Em boa hora o novo Código Civil, ao inserir o direito do promitente
comprador do imóvel no elenco dos direitos reais (art. 1.225, VII), e ao
discipliná-lo nos arts. 1.417 e 1.418, resolveu várias discussões sobre
o instituto. O legislador, ciente da evolução legislativa na proteção do
promitente comprador, cônscio também das divergências doutrinárias e
jurisprudenciais atinentes à promessa de compra e venda, andou bem ao
trazer para o rol dos direitos reais o direito do promitente comprador
do imóvel, espancando, com as regras domiciliadas nos arts. 1.417 e
1.418, as controvérsias sobre a classificação do direito real em questão
e sobre a adjudicação compulsória.
Com efeito, deve o direito do promitente comprador ser classificado como
direito real à aquisição do imóvel (art. 1.417, in fine). É efetivamente
direito real sobre coisa alheia, limitado, mas que assegura a execução
coativa do contrato, que se aperfeiçoará com a transmissão da
propriedade. Distingue-se dos direitosreais de garantia poisestes
sãoacessórios,enquanto que aquele diz respeito ao objeto do contrato, à
substância do negócio jurídico. Quanto aos de gozo e fruição,
encerram-se em si mesmos.
Regulamentou, outrossim, a nova lei, a adjudicação compulsória,
estabelecendo no art. 1.418 que “o promitente comprador, titular de
direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a
quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva
de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se
houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel”. Ao cessionário
do promitente comprador, que o substitui na relação contratual, à
evidência também cabe o direito à adjudicação, desde que com título
registrado.
Titular de direito real à aquisição é aquele que, nos exatos termos do
art. 1.417, registrou na serventia de registro de imóveis o instrumento
de promessa de compra e venda em que se não pactuou arrependimento.
Assim, é requisito indispensável para a adjudicação compulsória, dentre
outros (que aqui não serão analisados, por escapar ao objetivo), o
registro do instrumento de promessa. A Súmula 239 do STJ perdeu,
portanto, eficácia para os negócios celebrados na vigência do novo
Código. Joel Dias Figueira Jr., em Novo Código Civil Comentado,
coordenação de Ricardo Fiúza, Saraiva, ressalta a perda de eficácia da
súmula em mira, assinalando que o registro “se trata de condição
necessária definida no próprio art. 1.417 do CC, ou seja, requisito que
se opera ex lege para a configuração do próprio direito real, não
podendo ser rechaçado por orientação pretoriana, ainda que sumulada,
nada obstante perfeitamente adequada, antes do advento no novo CC”.
Ao exigir o registro da promessa sem cláusula de arrependimento para a
adjudicação, os art. 1.417 e 1.418 nada mais fazem do que ser fiéis ao
sistema que integram, posto que sendo o direito do promitente comprador
direito real (art. 1.225, VII), e adquirindo-se os direitos reais sobre
imóveis constituídos ou transmitidos por atos entre vivos pelo registro
(princípio da inscrição – art. 1.227), é inafastável a necessidade do
registro da promessa para que se torne o promitente comprador titular de
direito real e, então, possa exercê-lo erga omnes. A segurança das
relações jurídicas envolvendo promitente vendedor e promitente
comprador, bem como terceiros de boa-fé, só se faz presente com o
registro da promessa, pois eventual adjudicação compulsória embasada em
título à parte do fólio real poderia não ser eficaz se, durante o
trâmite do processo,o bem fosse adquirido por terceiro de boa-fé,
protegido pela prioridade decorrente da prenotação de seu título. O
contrato teria que ser resolvido em perdas e danos, não se atingindo o
fim colimado pela adjudicação. O novo Código, neste ponto, com acerto
prestigia o registro e a segurança dele decorrente.
3) A instrumentalização da promessa.
Na vigência do Código Civil de 1.916 prevaleceu o entendimento de que a
promessa de compra e venda de bem imóvel poderia ser celebrada, em
qualquer hipótese, por instrumento particular.
Não incluído no rol dos direitos reais na legislação então vigente o
direito do promitente comprador, acabou por predominar a corrente que
defendia não ser o instrumento público da substância do ato.
Bruno Mattos e Silva, em Compra de Imóveis, Atlas, afirma que o
compromisso de compra e venda “pode ser feito por simples instrumento
particular”.
Afrânio de Carvalho, Registro de Imóveis, Forense, colacionando decisões
do Supremo Tribunal Federal admitindo o instrumento particular na
hipótese, concluiu que “a promessa de venda com cláusula de
irretratabilidade, seja o seu instrumento público ou particular,
arma-se, com a inscrição no Registro de Imóveis, para a execução
forçada, podendo versar sobre imóvel loteado, incorporado ou livre de
loteamento ou incorporação.” O renomado autor, ao historiar o efeito
compulsório da promessa de venda em face do vendedor, cita a alteração
do art. 22 do Decreto-lei 58/37 pela Lei 649/49, que alongou o direito
de adjudicação compulsória aos imóveis não loteados, e utilizou o termo
“contrato”, enquanto que na redação anterior constava “escritura”, o que
permitiu conclusão de que a troca foi intencional, para o fim da
dispensa da escritura pública.
Caio Mário da Silva Pereira menciona a controvérsia, a tendência da
doutrina e da jurisprudência na aceitação do instrumento particular, mas
leciona que “plantado no terreno do direito real de promessa de venda,
não se poderia em tese deixar de exigir a forma pública para a sua
integração, uma vez que ela é da substância do ato, em todos os
contratos constitutivos ou translativos de direitos reais sobre imóveis
de valor superior à taxa legal, excetuado o penhor agrícola” (art. 134,
II, do CC de 1916) ressalvando a exceção por lei especial quanto aos
terrenos loteados.
Wilson de Souza Campos Batalha, em Comentários à Lei de Registros
Públicos, Forense, enfrenta a questão aprofundadamente, à luz da
legislação anterior à Lei 10.406/02. A tese da inexigibilidade do
instrumento público nas promessas de venda de imóveis, loteados ou não,
e independentemente do valor, vingou no dizer do autor por predominar em
nosso Direito “a opinião de que o contrato preliminar ou pré-contrato
origina essencialmente uma obrigação de fazer - a de contrair o contrato
definitivo. Quem promete vender não pratica um contrato translativo de
domínio, consistindo a obrigação fundamental do promitente num faciendi,
não num dandi, aplicando-se à sua formação, por conseguinte, a regra
geral da liberdade de forma consagrada no art. 129 do Cód. Civ. – (de
1916). Ora, se a promessa de venda não é contrato translativo de
domínio, não há porque exigir, para a sua perfeição, a escritura
pública”. Invocando Orlando Gomes, o autor diferencia a executividade
específica e a natureza real do direito do promitente comprador, para
rematar que o registro da promessa não é a causa da admissibilidade da
execução in specie, resultando do princípio geral que toda obrigação
deve ser cumprida como se pactuou, e da irretratabilidade do
compromisso. Assim, a adjudicação compulsória derivava da
irretratabilidade, e não do registro da promessa, o que acabou
consagrado pelo STJ (Súmula 239).
Maria Helena Diniz, em edição atualizada, de acordo com o novo Código
Civil, do Curso de Direito Civil Brasileiro, Saraiva, cita a exigência
da escritura pública pelo art. 108 do C.C. de 2002, mas assevera que
“razões de ordem prática têm levado nossos juízes e tribunais a aceitar
sua constituição por instrumento particular, pois a sua insegurança
estaria contrabalançada pela exigência do registro no Ofício de Imóveis,
para que o compromissário-comprador adquirisse o direito real”.
O advento do novo Código impõe a análise da instrumentalização da
promessa sob outros prismas, pois há dispositivos que infirmam
argumentos utilizados para sustentar que o instrumento particular é
forma admissível para contratar a promessa de compra e venda de qualquer
bem imóvel.
O art. 108 da lei vigente é de teor seguinte: “Não dispondo a lei em
contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios
jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou
renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a 30 (trinta)
vezes o maior salário mínimo vigente no País”.
O direito do promitente comprador é direito real (art. 1.225, VII), que
se adquire com o registro (art. 1.227).
À evidência, a promessa de compra e venda visa a constituição de direito
real sobre imóvel, e portanto é da substância do ato a escritura
pública. A promessa só terá eficácia, que é a aptidão para produzir
efeitos (e dentre eles o de constituir direito real pelo registro), se
for lavrada por instrumento público, ressalvadas as exceções, que se
verão à frente.
O robusto argumento de que a execução da promessa se fincava na
irretratabilidade, e não no registro, e portanto útil seria o
instrumento particular, caiu por terra ante à conjugação dos arts. 1.417
e 1.418, pois a adjudicação compulsória só pode ser agitada por titular
de direito real, que se adquire mediante registro na serventia registral
imobiliária. As normas mencionadas levaram à ineficácia a Súmula 239 do
STJ, e garantem efetiva segurança às relações jurídicas, pelos motivos
expostos anteriormente.
Decorrendo da promessa direito real de aquisição, assegurado estará o
contrahere futuro em sendo adimplente o comprador, o que deixa claro que
não se trata de obrigação meramente pessoal, posto que há ingresso no
campo do direito real, exercitável erga omnes. O contrato preliminar de
compra e venda, considerando o direito real que visa a constituir, e a
execução coativa através da adjudicação, apresenta caracteres diversos
dos demais contratos preliminares, pois traz em seu bojo a possibilidade
de sua execução com alcance do exato fim do contrato definitivo, que é a
transferência da propriedade plena. Não se resolve simplesmente em
perdas e danos. Em razão da peculiar situação, o legislador editou
normas especiais exigindo para a sua celebração o instrumento público
(art. 108), e dispondo sobre sua execução (arts. 1.417 e 1.418), não se
aplicando a regra geral do art. 462.
A civilista Maria Helena Diniz reconhece em sua obra, outrossim, que o
instrumento particular gera insegurança. Por seu turno, Eduardo José
Martínez Garcia, registrador espanhol, em seu artigo publicado na
Revista de Direito Imobiliário, RT, nº 48, aduz que “al analizar el
fraude inmobiliario se señala como uma de las causas el contrato
privado...” Não há porque prestigiar o instrumento particular contra
literal disposição da lei.
A intervenção do tabelião, profissional do direito que deve atuar com
imparcialidade, garantindo publicidade, autenticidade, e especialmente
eficácia e segurança aos atos que pratica, deve ser estimulada,
reservando-se o instrumento particular para situações especialíssimas.
E situações há em que o instrumento particular é admitido.
O art. 1.417, que cuida do direito do promitente comprador, refere-se à
promessa de compra e venda celebrada por instrumento público ou
particular, devendo o intérprete se socorrer do dispositivo que trata da
forma dos negócios jurídicos para verificar quando se utiliza o
instrumento público ou o particular.
Em regra, o instrumento público, como já dito, é essencial à validade
dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência,
modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor
superior a 30 (trinta) vezes o maior salário mínimo vigente no País
(art. 108). A contrario sensu, os negócios que dizem respeito a imóveis
de valor igual ou inferior ao limite fixado, podem ser celebrados por
instrumento particular. Contudo, a cautela recomenda a utilização do
instrumento público, com a assistência de profissional do direito e
observância de todas as normas para sua lavratura, gozando de presunções
que não alcançam os documentos particulares.
O art. 108 admite, outrossim, outras exceções, aos estabelecer a regra
do instrumento público “não dispondo a lei em contrário”. Não contém a
lei palavras inúteis.
Encontramos, na legislação extravagante anterior ao novo Código,
exceções que estão, S.M.J., em vigor .
Quanto à vigência da legislação extravagante ante o advento do novo
Código Civil, permanece íntegra naquilo que com ele não for
incompatível.
As disposições especiais referentes aos instrumentos particulares
constantes do Decreto-lei 58/37, das Leis 4.380, 6.766 e 9.514
permanecem em vigor, no que não houver confronto com a nova legislação.
Seus dispositivos se baseiam em razões diversas das que conduziram o
legislador de 2002 a exigir o instrumento público como regra. São outros
o objeto, o espírito e fim das disposições especiais.
Joel Dias Figueira Jr., na obra já citada, assinala que “continua em
vigor toda a legislação extravagante correlata ao tema referente ao
compromisso de compra e venda”.
Assim, em vigor o art. 11 do Decreto-lei 58/37, o art. 26 da Lei 6.766,
o § 5º do art. 61 da Lei 4.380 e o art. 38 da Lei 9.514, exceções a
admitir o instrumento particular.
Sucede que as situações são excepcionais.
A legislação relativa aos parcelamentos do solo (Decreto-lei 58/37 e Lei
6.766) exige o depósito de um memorial no Registro de Imóveis, do qual
consta o contrato-tipo (Dec.-lei 58) ou o exemplar do contrato-padrão de
promessa de venda (Lei 6.766), tendo esta enumerado no art. 26
indicações obrigatórias do contrato, visando a proteção do comprador.
Qualquer pessoa pode examinar o processo de loteamento e os contratos
depositados, livre de emolumentos (art. 24). O contrato-padrão rege as
relações entre as partes quando o devedor não cumpre a obrigação (art.
27). Como se vê, há uma proteção à parte teoricamente mais fraca na
relação, que se sujeita a um contrato-padrão que passou pela
qualificação do registrador, consta de acervo público e que, como
contrato de adesão que é, merece interpretação mais favorável ao
aderente, nos termos da Lei 8.078 (Código do Consumidor) e dos arts. 423
e 424 do Código Civil.
A Lei 4.380/64 está impregnada pelo interesse social, visando estimular
a construção de habitações de interesse social e o financiamento de
aquisição da casa própria, especialmente pelas classes da população de
menor renda (art. 1º). As entidades autorizadas a contratar nos termos
da lei operam sob fiscalização do Poder Público e aplicam-se, assim como
nos parcelamentos, as normas que protegem o consumidor nos contratos de
adesão. Ressalte-se, contudo, que na hipótese não se tem atingidos os
fins de economia de tempo e despesas para o adquirente (previstos no
texto legal), em razão dos procedimentos adotados e dos valores cobrados
pelas entidades do SFH.
Quanto à Lei 9.514/97, que tem por finalidade promover o financiamento
imobiliário em geral, aplica-se o que foi dito sobre a Lei 4.380/64.
As exceções contempladas são, portanto e como afirmado, especialíssimas.
Assim, em se tratando de promessa de compra e venda, admite-se o
instrumento particular apenas incidindo hipótese de lei extravagante ou
ocorrendo a exceção do art. 108 do Código Civil. Nos demais casos, é
essencial à validade do negócio jurídico a escritura pública.
Recebendo o registrador o instrumento particular de promessa de compra e
venda que não se enquadre nas exceções legais, deve qualificá-lo
negativamente, por não ser admitido a registro nos termos do art. 221 da
Lei 6.015.
4) A aplicação dos arts. 467 a 471 aos compromissos de compra e venda.
Inovação no direito pátrio, o contrato com pessoa a declarar é instituto
já regulado no direito civil português e italiano. O negócio jurídico é
celebrado com a inclusão da cláusula pro amico eligendo, que permite a
um dos contratantes indicar outra pessoa que o substitua na relação
contratual, adquirindo os direitos e assumindo as obrigações dele
decorrentes.
O Desembargador e Professor paulista Carlos Roberto Gonçalves, em sua
obra Principais Inovações no Código Civil de 2002, Saraiva, ao comentar
o instituto, diz que “trata-se de avança comum nos compromissos de
compra e venda de imóveis, nos quais o compromissário comprador reserva
a si a opção de receber a escritura definitiva ou de indicar terceiro
para nela figurar como adquirente”. Prossegue o Desembargador para
afirmar que a cláusula “tem sido utilizada para evitar despesas com nova
alienação, nos casos de bens adquiridos com o propósito de revenda, com
a simples intermediação do que figura como adquirente”.
Com efeito, a cláusula é plenamente aplicável aos compromissos de compra
e venda de imóvel. Não há óbice à sua adoção. Equivale em tal espécie de
contrato a verdadeira cessão dos direitos do promitente comprador, à
qual anui o promitente vendedor no momento da celebração do pacto.
Efetivamente, ao constituir a promessa de compra e venda direito real
sobre coisa alheia com o registro, tal direito passa a integrar o
patrimônio do credor, e a substituição deste na relação contratual, com
a conseqüente alteração do titular do direito real (oponível erga omnes),
consuma cessão de direitos.
Maria Helena Diniz, ao discorrer sobre os efeitos jurídicos da promessa
de compra e venda , inclui a cessibilidade da promessa pelo promitente
comprador, “valendo a cessão independentemente do consentimento do
promitente-vendedor, ficando, contudo, solidário com o cessionário
perante aquele; entretanto, se houver a anuência do promitente vendedor,
não há tal solidariedade passiva”. A solidariedade mencionada pela
civilista é também referida por Arnoldo Wald (obra citada).
A relevância da inclusão da cláusula pro amico eligendo está em afastar
a solidariedade passiva do promitente comprador/cedente
independentemente da anuência do promitente vendedor no ato da cessão,
pois antecipadamente a admitiu ao contratar nos termos do art. 467 e
seguintes da lei civil.
Jones Figueirêdo Alves, no Código Civil Comentado, sob a coordenação de
Ricardo Fiúza, afirma que “aceita a nomeação, retroagem os efeitos do
vínculo sobre o nomeado, ficando o contratante que exercita a faculdade
da cláusula pro amico eligendo, liberado de obrigação. A lei não trata
do momento da liberação, embora possa se concluir que o contratante
originário retira-se do contrato, quando a aceitação operar-se como
declaração de vontade e pela forma vinculada, ocorrendo a substituição”.
Em se tratando de promessa de compra e venda, a inclusão da cláusula em
questão, a meu ver, não evita qualquer despesa. Configurando cessão dos
direitos do promitente comprador, estando o título registrado, importará
em prática de atos no registro imobiliário e pagamento de tributos.
A aceitação da pessoa nomeada somente será eficaz de revestida da mesma
forma que as partes usaram para o contrato (parágrafo único do art.
468). Vale dizer, exigido o instrumento público para o contrato, deve a
aceitação se revestir da mesma forma. Contudo, nos casos em que se
admite o instrumento particular, não há qualquer óbice que a aceitação
se dê por escritura pública, forma mais solene.
Sendo incapaz ou insolvente a pessoa nomeada, a substituição será
ineficaz com relação ao promitente vendedor, produzindo o contrato seus
efeitos entre os contratantes originários (arts. 470, II, e 471 do C.C).
A substituição do promitente comprador e a ineficácia da nomeação devem
ser objeto da prática de atos no registro imobiliário, que veremos a
seguir.
Sendo cessão de direitos, a indicação, devidamente aceita pela pessoa
nomeada, celebrada pelo instrumento adequado com observância de todas as
normas legais aplicáveis, e estando a promessa de compra e venda
registrada (princípio da continuidade), deve ser objeto de registro, nos
termos do art. 167, I, 9, 18 e 20, da Lei 6.015.
O registrador deverá, na qualificação do título, verificar o respeito
aos princípios da especialidade e continuidade, e se estão preenchidos
todos os demais requisitos para uma qualificação positiva, inclusive
quanto ao recolhimento do imposto de transmissão (art. 289 da Lei 6.015)
e à apresentação dos documentos exigidos pela Lei 7.433, seja o
instrumento público ou particular, posto que ubi eadem ratio , ibi eadem
legis dispositio.
O art. 155, I, da Carta Magna, estabelece que compete aos Estados e ao
Distrito Federal instituir impostos sobre a doação, de quaisquer bens ou
direitos, e o art. 158, II, dispõe que aos Municípios cabe instituir
impostos sobre a transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato
oneroso, de direitos reais sobre imóveis, exceto de garantia, bem como
cessão de direitos a sua aquisição. Constituindo o direito do promitente
comprador direito real, que se adquire com o registro, a sua
transmissão, a título gratuito ou oneroso, importa em fato gerador do
tributo, devendo o oficial do registro de imóveis verificar a legislação
estadual, sendo gratuita a transmissão, ou a municipal, sendo onerosa,
fiscalizando assim o pagamento dos impostos devidos por força dos atos
que pratica em razão do ofício.
Registrada a cessão e verificada a ineficácia da nomeação, produzindo o
contrato seus efeitos entre os contratantes originários, deve o registro
da cessão ser cancelado por averbação (art. 248 da Lei 6.015).
Sendo insolvente o nomeado, o registro poderá ser cancelado por
requerimento unânime do promitente vendedor, promitente comprador e do
cessionário, se capazes, com as firmas reconhecidas, com esteio no
inciso II do art. 250 da Lei 6.015. A intervenção tanto do promitente
vendedor quanto a do promitente comprador se impõe vez que as relações
entre os mesmos voltarão a ser regidas pelo contrato original, sendo
indispensável a do insolvente reconhecendo seu estado e a ineficácia da
cessão. Embora inexigível que o promitente vendedor tenha participado da
cessão que deu origem ao ato registrado, não o fez diretamente, mas com
o mesmo anuiu ao celebrar o compromisso com a cláusula pro amico
eligendo.
Absolutamente incapaz o cessionário, entendo viável o cancelamento a
requerimento do interessado, desde que a incapacidade possa ser provada
de maneira incontestável, como na hipótese da menoridade (art. 3º, I, do
C.C), ou da interdição (art. 3º,II, do C.C), provadas por certidão do
registro civil de pessoas naturais, aplicando-se o inciso III do art.
250 da Lei 6.015.
Havendo litígio entre os interessados, ou sendo a incapacidade relativa,
o cancelamento deverá decorrer de decisão judicial trânsita (art. 250,
I, da Lei 6.015).
Promovido o cancelamento, que é jurídico, o ato não mais produzirá
efeitos.
5) Conclusões
5.1- É requisito indispensável para a adjudicação compulsória o registro
da promessa de compra e venda, perdendo eficácia a Súmula 239 do
Superior Tribunal de Justiça;
5.2- O instrumento público, em regra, é essencial à validade da promessa
de compra e venda. O instrumento particular só é admissível em se
tratando de imóveis de valor igual ou inferior a 30 (trinta) vezes o
maior salário mínimo vigente no País, ou havendo previsão em lei
extravagante (Ex.: Dec.-lei 58/37, Lei 6.766);
5.3- As normas relativas ao contrato com pessoa a declarar, inseridas no
Título V, Dos Contratos em Geral, aplicam-se ao contrato de promessa de
compra e venda, por não haver qualquer incompatibilidade;
5.4- A indicação da pessoa nos termos da cláusula pro amico eligendo
importa em cessão dos direitos do promitente comprador; estando
registrada a promessa, há transferência de direito real sobre imóvel;
5.5- A cessão nos termos do item anterior importa em pagamento de
tributos e na prática de ato de registro no Registro de Imóveis;
5.6- A ineficácia da nomeação terá como conseqüência o cancelamento do
registro da cessão, por averbação, que se dará a requerimento dos
interessados ou por determinação judicial, dependendo de sua causa.
BIBLIOGRAFIA:
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* EDUARDO PACHECO RIBEIRO DE SOUZA é Titular do Serviço Registral e
Notarial do 2º Ofício de Teresópolis - RJ., Vice-Presidente do Irib para
o Estado do Rio de Janeiro e ex-magistrado no Estado do Rio de Janeiro
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